No dia seguinte, eu acordei muito
estranho. Mal havia acabado o banho e Douglas solicitou minha presença no
saguão. Pietro já estava acordado e me acompanhou até lá, pois era dia de folga
nos treinos, e ele geralmente os usava para visitar Alexandra e Gabriel. Quando
chegamos ao saguão, Pietro se despediu e foi para o dormitório dos aprendizes
“normais”. Eu fui falar com Douglas, que me enviou para a sala do “chefe”. Eu
ainda não o havia vencido, mas cheguei tão perto que comecei a ficar com um
certo remorso.
Quando entrei lá, o “chefe”,
juntamente a Thomas e ao senhor Michel, me aguardavam, com os semblantes muito
caídos. Ao me verem entrar, se levantaram, se entreolhara e Thomas começou a
falar:
–Devon... Como eu posso te
explicar?
Nesse instante o “chefe” se virou
e olhou fixamente a parede. Então Thomas continuou.
–Bem, Devon... – disse hesitante –
Nós tentamos ir para o local que você disse ser “Vida Selvagem”, e, bem... Não
conseguimos entrar no Alasca. Ele está fora de alcance dos Caçadores. É como se
o Alasca estivesse bloqueado. Os portais não conseguem mais abrir por lá. Seja
lá o que vocês tenham feito vocês impediram que qualquer um investigasse.
–Senhor Thomas – falei olhando
para baixo – Qual o local mais próximo do Alasca que conseguimos chegar?
–A cem quilômetros da fronteira
entre Canadá e Alasca.
Eu olhei para baixo pensativo. Cem
quilômetros era a quilometragem ideal, para que eu e minha equipe realizássemos
uma missão de infiltração. Eu já esquematizava os planos na minha mente quando
Thomas disse:
–Nem pense nisso – falou ríspido.
–Você nem sabe o que eu estou
pensando – respondi meio em duvida.
–Você quer ir para o Alasca de
novo. – falou calmamente – Mas você não vai.
–Por que não? – falei como se
fosse uma vítima – Eu consigo.
–Ninguém vai se arriscar. – falou
Capitão Ulisses – Inclusive, para garantir que você não tente ir escondido –
pois eu conheço o seu gênio forte Devon – eu entrei em contato com Fábio.
–Quem é Fábio? – falei confuso.
–Oh você não o chamou – falou o
“chefe” olhando para Ulisses seriamente – É claro que chamou. Você é louco.
–É sério, quem é Fábio? – falei
curioso.
–Um dos “Mestres da Elite” –
respondeu o “chefe” – Eles são tipo, substitutos de qualquer “Caçador dos
Três”. Por exemplo, Fábio é o substituto de Shaka, o caçador de Prata.
–O nome do caçador de prata é o
mesmo daquele líder Zulu? – perguntei vidrado.
–Sim – respondeu o “chefe”
francamente – Os Três sempre recebem nomes de grandes guerreiros.
–Ok – respondi mudando de assunto
– Quem é o tal Fábio, exatamente?
–É um dos treinadores de Elite
mais duro. – falou Thomas.
–E vocês vão me deixar com ele? –
perguntei torcendo que fosse uma piada.
–Sim – respondeu Ulisses – E é
melhor você dar um sorrisinho, pois ele já está o aguardando.
Eu dei um sorriso forçado e me
virei para a porta, Ulisses me entregou um papel e disse as instruções para que
eu chegasse à sala dele.
Eu saí de lá e encontrei Pietro
que estava sentado no banco de espera conversando com Douglas sobre futebol. Ao
me ver, Pietro se levantou e disse:
–A turma de treinamento normal
saiu numa espécie de excursão – disse ele desanimado – então, temos o dia livre
hoje, tá a fim de ir ao shopping azarar umas garotas?
–Tenho treinamento com um tal de
Fábio. – respondi tristemente – Quer vir?
–Na hora – respondeu Pietro
prontamente
–Sério – falei confuso
–É cara – respondeu ele sinceramente
– eu não vou sair sozinho quando meu melhor amigo fica tendo uma aula no dia de
folga.
–Valeu mesmo velho – falei com
gratidão nos olhos – Você é um amigo mesmo.
–Eu sei – falou ele “modestamente”
Nós rimos e seguimos em direção à sala
de Fábio.
...
Estávamos entre a vida e a morte. Sim,
naquele momento eu concordava com o “chefe”. O capitão Ulisses era realmente
louco.
Assim que chegamos à sala, uma
hidra caiu bem a nossa frente, e um cavalo veio correndo até nós. Por sorte um
cara forte ficou na frente e imobilizou o bicho – que era duas vezes o tamanho
de um cavalo normal – e depois usou a carcaça como escudo para uma saraiva de
flechas, ele correu até a carcaça de outro monstro onde havia uma espécie de
arsenal de armas. Ele fez um sinal com a mão para que fossemos até onde ele
estava.
Ele fizera uma barricada com a
carcaça do que havia outrora sido uma Quimera. Ele estava com uma espécie de
pistola laser, ou algo do tipo, atirando em varias uraei. Nós nos agachamos junto a ele, depois ele disse:
–Algum de vocês deve ser o DJ –
falou ele em quanto mudava de armas e começava a atirar em um dragão que
apareceu do nada – Prazer, sou o Tenente Fábio.
–Prazer... e, pode me chamar de
Devon mesmo. – Falei de boca aberta com os tiros que ele dava.
–Bem, vocês vão me ajudar ou não?
– Perguntou ele apontando algumas armas no chão.
–Com certeza – disse Pietro em um
sorriso pegando uma espada Romana e partindo pra cima do dragão.
Eu fiz o mesmo, só que escolhi uma
lança, e peguei um elmo emplumado. Pari pra cima de uma matilha de lobos
Nórdicos que estavam se alimentando com a carne de algum outro monstro. Matei
cinco e dois correram. Depois disso um lobisomem pulou em mim. Eu não sei de
onde ele veio, mas rasgou uma parte da minha pele, na região do ombro. Eu cai
no chão e ao me virar vi ele morto com dois buracos de bala no coração. Fábio
estava com cara de quem não entendeu e estava gesticulando para que eu voltasse
à luta. Quando me levantei, eu me dei conta da imensidade do salão, ele era do
tamanho da sala de treinamento do senhor Ulisses, só que ao invés de ter armas
de treinamento, estava repleto de monstros.
Pietro estava atirando adoidado,
montado em um cavalo selvagem que dilacerava todos os monstros no caminho. Eu
tentei associar o cavalo com algum mito, e tive uma vaga impressão que aquele
cavalo tinha alguma relação com Hércules e seus trabalhos, mas não tinha
certeza. Pietro vinha com o cavalo em minha direção, então eu pulei no lombo do
animal e peguei uma arma antiga, provavelmente do ano de 1579, carregada com
balas especiais para monstros. Eu comecei a atirar em monstros durante uns
quarenta minutos, e durante esse tempo, eu tive a leve impressão de que Fábio
estava dilacerando alguns monstros com as próprias mãos. Ao término dos
quarenta minutos, a sala toda ficou vermelha e Fábio parou de dar atenção aos
monstros. Ele andou até uma parede, e estranhamente nem um monstro o atacou no
percurso, todos eles estavam parados com medo. Quando Fábio chegou a parede ele
apertou um botão, e um som como um alarme de invasão soou em toda a sala. Os
monstros correram com medo – inclusive o que eu e Pietro estávamos montados,
tanto que tivemos que pular do cavalo – até o outro lado da sala, e então eles
foram vaporizados.
...
Fiquei realmente impressionado
com a destreza com que Fábio lutou contra os monstros. Admirava-me ele não ser
da Elite. A técnica de luta dele era diferente de tudo que eu já havia visto;
era como se fosse uma mistura de tudo com um toque mais pessoal. Ele lutava
como um bárbaro do futuro, mas com técnicas Greco-Romanas bem sutis.
Impressionante, essa era a palavra que definia seu estilo de luta.
Ele se aproximou de nós e pediu
que o seguíssemos. Ele nos levou até uma sala menor que era seu escritório e
pediu que sentássemos. Ele se sentou numa poltrona reclinável a frente de uma
mesa de vidro. Já nós, nos sentamos em cadeiras acolchoadas. Ele tomou a
palavra e disse:
–Bem garotos vocês lutam mui bem – começou ele
e depois nos fitou – Mas o que eu quero saber é quem os mandou aqui.
–O “chefe” e o Sr. Ulisses –
respondi rapidamente.
–Ah, então você deve ser o Devon
– falou ele com um sorriso na cara – É um prazer conhecê-lo. Eu, como você já
deve ter ciência, sou Fábio, apelidado de “louco”.
–É tipo isso – dei de ombros.
–Ora, esses caçadores me acham
louco só por causa da minha sala de testes.
–Você chama isso de sala de
testes? – disse Pietro incrédulo.
–Claro – ele sorriu e observou a
sala com um brilho diferente no olhar – Eu busco monstros de todo o mundo só
pra que eu mesmo possa matar. E depois os que eu não consigo são mandados para
seus respectivos infernos.
–Como consegue manda-los para o
inferno de uma vez? – perguntei curioso. – Digo, precisaria de uma canalização
de poder incrível. Não acho que se quer a Rússia produziria algo desse tipo.
–Bem...
Fábio disse olhando Ra mim e
depois pra Pietro e depois de novo pra mim e depois de novo pra Pietro; ele fez
isso pelo menos três vezes, então finalmente disse:
–Acho que posso mostrar pra vocês
– ele olhou pros lados e escondeu a lateral da boca com uma das mãos – Venham
comigo.
Ele começou a descer por uma
pequena escada até o porão. Nós o seguimos, mas assim que tudo ficou escuro...
eu apaguei de vez.
...
Quando eu acordei estávamos num
duelo acirrado: uma Quimera e estava lançando projeteis, e em quanto isso nós
nos defendíamos em pedras. Eu estava deitado em um chão gelado e coberto por um
pano grosso e quente. Eu não consegui tira-lo de cima de mim e comecei a sentir
fortes dores no ombro. A minha vista começou a escurecer, e então eu percebi
que o lugar já era escuro.
A ultima coisa de que tinha
alguma lembrança era de ter descido no porão, e agora eu, Pietro e Fábio
estávamos lutando contra um monstro. Se bem que eu não estava participando do
combate.
Eu fiquei sem me mexer por uma
hora, e nesse período eu fiquei mentalizando várias estratégias. Quando Fábio
finalmente deu o tiro que matou a coisa eles tiraram a o pano de mim e mediram
minha temperatura. Eu perguntei a eles o que houve e a resposta que Pietro me
deu foi:
–Não se lembra de nada?
Eu realmente fiquei assustado.
Perder a memória era a pior coisa que se podia acontecer a um Mestiço. Em
seguida vinha ser morto por um aliado e depois trair os caçadores. Claro que se
o Mestiço perdesse a memória não se lembraria se trocou de lado. Mas em fim, eu
comecei a fazer algum esforço e acabei tendo lampejos de lembranças, mas era
tudo tão embaçado que eu não consegui lembrar praticamente nada. Tudo que
lembrava era um cara me arrastando depois que eu fui ao porão. Assim que eu
organizei minha mente perguntei:
–Onde estamos?
–Bem – falou Fábio colocando a
mão na nuca e olhando pros lados – é difícil dizer... Podemos estar debaixo da
sala do Shaka Zulu ou debaixo do refeitório da CDM.
–Quê? Você disse “debaixo”?
–É. Tipo isso. – Respondeu ele de
cara e depois bufou – Mas acho que vamos ter que andar muito até voltarmos lá
pra cima.
–Uou, calma ai – interrompi ele –
Vocês deveriam me explicar o que aconteceu, não acham?
–Tem razão – disse Pietro – E
depois que você ouvir, eu também vou querer algumas respostas.
Eu não entendi o que ele quis
dizer com aquilo, mas eu assenti com a cabeça o incentivando a contar.
–Bem – começou Pietro sério –
Depois que os descemos ao porão para ver a fonte de poder que ele usava para
liquidar os monstros.
–Sim dessa parte eu me lembro –
interrompi
–Certo – falou Pietro impaciente
– agora me deixe concluir.
–Certo – respondi
Ele fez um sinal para que eu me
calasse e continuou:
–Como eu ia dizendo, nós déssemos
até o porão, mas misteriosamente fomos apagados. Só depois descobrimos que o
“canalizador d poder” do Fábio estava vazando uma massa de ar escura, e era
muito nocivo. Nós acordamos em uma sala de manutenção antiga. Acontece que a
parte de baixo da CDM tem uma conexão com o mundo mortal e essa conexão é dada
pelo esgoto. É como se houvesse uma porta e um cano transpassando ela: de um
lado é o mundo mortal; do outro é a CDM dentro do Duat; e o cano representa o
canal de esgoto que a CDM usa. Ele serve como um esgoto comum, mas é bem antigo
e tem uma conexão com o mundo mortal. É um pouco difícil de entender, mas isso
não é o importante. Depois que o Fábio descobriu esses túneis de esgoto, ele
começou a explorar tudo. Em uma de suas buscas ele encontrou uma máquina bem
louca que ninguém sabe de onde é. Era mágica e tinha – e ainda tem – um grande
poder destrutivo. Fábio pegou essa máquina e a escondeu nos túneis. Ele começou
então a estudar a máquina e a colecionar monstros. Ele conseguiu adestrar
alguns e manteve-os, mas os que ele não conseguiu adestrar condenou para o
extermínio com a tal máquina. Ele então começou a treinar com esses monstros, e
quando não conseguia vencer ele os exterminava.
Ele deu uma pausa e olhou pra
Fábio. Era como se ele estivesse pedindo permissão para continuar. Fábio fez
que sim com a cabeça. Ele acompanhava a história com os braços cruzados e
aquele havia sido o único movimento feito por ele desde o início da narrativa.
Depois disso Pietro continuou:
–Quando nós déssemos pra ver a
máquina, a substância mágica que tinha nela estava perdendo efeito. Eles – seja
lá quem tiver sido o dono da máquina – haviam passado uma mistura mágica nesse
instrumento de tortura que funcionava como uma tinta. Agora, depois de vários e
vários anos, essa “tinta” está saindo. O ar aqui em baixo está muito
contaminado com essa substância mágica, e agora precisamos entrar em contato
com alguém lá em cima.
–Por que não quebramos o chão de
alguma sala lá de cima e passamos pelo buraco? – perguntei.
–Correríamos o risco de
contaminar todos lá em cima. – falou Fábio.
–Quer dizer que nós estamos contaminados?
– perguntei incrédulo.
–Bem... – Pietro coçou a cabeça –
é agora que eu vou querer minha explicação.